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OS DIREITOS HUMANOS E A IMPUNIDADE GLOBAL CORPORATIVA

Atualizado: 15 de set. de 2020

- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima -


A verdadeira História não é uma ficção oficial e deve ser buscada além das notícias postadas na imprensa, que muitas vezes se baseia em informações forjadas por equipes de especialistas para desinformar o público e criar uma opinião favorecendo interesses particulares.


Caso emblemático de sentença judicial da mais alta Corte do Equador que condenou uma corporação, Chevron, a pagar indenização para os autores, representando grupo de campesinos e de vários povos indígenas da região amazônica, deixou de ter eficácia, por decisão da Justiça de outro país, no caso os Estados Unidos, -- violando lei federal dos EUA e o princípio de cortesia internacional de respeito mútuo das decisões dos tribunais de outros países --, e também proibida sua execução pelo governo do Equador por ordem de Tribunal Arbitral em Haia composta por advogados privados. Houve uma grave inversão de valores jurídicos que cabe apenas na mentalidade de uma construção corporativa de impunidade global engendrada por tratados entre Estados em favor de corporações mundiais.



No Brasil, estamos vivenciando, indignados, ações para destruir a nossa Floresta Amazônica, cuja proteção é de competência dos órgãos subordinados ao Ministério do Meio Ambiente, cujo titular da pasta vem tolhendo a necessária atuação, mais recentemente também acompanhado pela Comissão especialmente designada para cuidar dos assuntos da Amazônia. A continuar assim, é provável que a “boiada passará” e, certamente, não restrita fisicamente a essa espécie animal, pois, a “boiada” poderá ser representada por outras formas ilegais de avanços de maior gravidade, numa agressão ao meio ambiente da região, que é composto por ecossistemas frágeis, ricos em água e biodiversidade. E, principalmente, prejudicando a vida dos moradores tradicionais, representados por povos indígenas.


Em 21 de maio de 2019, carta subscrita por duzentos e sessenta e sete entidades, entre internacionais, regionais e nacionais, de quarenta e cinco países, foi encaminhada ao presidente Lenin Moreno, que tomara posse na presidência do Equador em 2018.


Ela resume a indignação coletiva dos defensores dos direitos humanos diante da negação do Direito por decisão tomada fora do Equador, posteriormente ao processo já decidido, em três instâncias e confirmada, por fim, pela Corte Nacional de Justiça do Equador, em 2013, ratificando as decisões anteriores e condenando a Chevron a pagar indenização de 9,5 bilhões de dólares aos querelantes, formados pela UPDAPT - União dos/as Atingidos/as pela Chevron-Texaco, apenas excluindo a anterior pena de multa.


Menciona também a crescente mobilização popular internacional contra o mecanismo ISDS. Prova disso é que mais de meio milhão de assinaturas de cidadãos e cidadãs da União Europeia foram entregues ao Vice-Presidente da Comissão Europeia nos últimos dias, pedindo à União Europeia que rejeite o ISDS e apoie o Tratado Vinculante das Nações Unidas, bem como outras normas para obrigar as empresas transnacionais a respeitar os direitos humanos.


Falam na carta que o Equador era o país que estava liderando o processo nas Nações Unidas para o estabelecimento de um Tratado Vinculante sobre corporações transnacionais e direitos humanos, que poderia pôr fim à impunidade empresarial, e que é negociado no Conselho de Direitos Humanos. Esse Tratado constitui uma demanda de milhões de pessoas, agrupadas em centenas de organizações sociais, ambientais, sindicatos e comunidades afetadas em todo o mundo.


Destaca, ainda, que as empresas petrolíferas, como a Chevron, têm uma forte responsabilidade histórica com as mudanças climáticas, que já resultam em centenas de milhares de vítimas, na expulsão de milhões de pessoas de suas casas - as/os refugiadas/os por causas climáticas -, além do que, levam todo o planeta à maior crise ambiental conhecida.


A questão envolve o processo judicial no Equador, que fez coisa julgada inclusive da decisão da Corte Suprema, que condenou a corporação Chevron ao pagamento de indenização para os reclamantes, na maioria campesinos e pessoas pertencentes a grupos indígenas, moradores na região do Lago Agrio, no Equador, devido a sua responsabilidade empresarial pelo derramamento de óleo nas atividades de extração petrolífera realizada por sua antecessora Texaco, entre os anos de 1964 e 1992. Esses fatos tiveram por consequência enormes prejuízos socioambientais, inclusive causando graves doenças para os grupos humanos, além de afetar sua cultura tradicional, com forte desagregação nas famílias e nos grupos.


Apesar dessa decisão, alguns atos da Chevron inviabilizaram a execução da sentença. Em primeiro lugar pela retirada de todos os bens da Chevron, em 2011, quando houve a condenação na primeira instância, representando notório caso de fraude à execução. Por último, ocorreu, em 2019, a reviravolta da situação pelo Tribunal de Arbitragem, com a aplicação do sistema ISDS (Investor-State Dispute Settlement), um instrumento de direito internacional privado, disponível exclusivamente para investidores estrangeiros processarem Estados, que a estes se submetem livremente, entre outros, através de acordos de investimento.


Nesse ínterim, em março de 2015, a decisão de um Tribunal Arbitral, em Haia, denegou o pedido apresentado, ainda em 2009, pela corporação Chevron para evitar essa multibilionária condenação da Justiça equatoriana por danos ambientais e sociais na Amazônia, aceitando os argumentos apresentados pelo estado do Equador, no caso conhecido como "Chevron III". Foi, portanto, reconhecida pela corte arbitral a legalidade do processo judicial contra a Chevron no âmbito do Judiciário do Equador. Diego Garcia, o procurador-geral do Estado equatoriano na época, ressaltou que o tribunal de arbitragem concluiu expressamente que o invocado acordo pela Chevron “de 1995 não exonerava a Chevron de ser processada por pessoas a título privado”, significando admitir que os tribunais do seu país constituem o foro competente para conhecer e resolver "as reivindicações dos litigantes”. Este argumento fora também defendido por Pablo Fajardo, advogado dos litigantes equatorianos, contra a suposta “fraude” alegada pela Chevron, sem qualquer sustentação probatória, relativo a um processo em Nova York. Este advogado, de origem camponesa e morador da região, teve um papel destacado desde o início do processo, ainda em 1993, quando teve que enfrentar graves ameaças contra sua vida, inclusive tendo que se proteger, dormindo cada noite em local diferente. O precedente foi o fato do sequestro, por engano, de seu irmão, torturado e morto.


Não satisfeita com a decisão em Haia, a Chevron apresentou novo pedido perante o tribunal Permanente de Arbitragem, que, em setembro de 2018, alterou sua posição sobre a questão e considerou que o Equador violou um “Tratado de Proteção de Investimentos entre Washington e Quito”, ao negar julgamento favorável à petroleira americana no caso do Lago Agrio, o que poderia ser sancionado com o pagamento de uma indenização para a Chevron por parte do Estado equatoriano.


O processo do mecanismo do ISDS tem tramitação processual diferente daquele de um Tribunal judicial, de competência legitimamente instaurada e integrante de um dos poderes internos do Estado nos país. O caso do ISDS é analisado por um tribunal privado composto por três “árbitros” escolhidos pelas partes – dentre um grupo reduzido de advogados ou juristas, com honorários de $1.000 (mil dólares) por hora – e que podem assumir, alternadamente, o papel de acusação, defesa ou de decisão. As sessões são secretas e não cabe recurso das decisões, pois inexiste instância para recurso. As despesas com os processos chegam a milhões de euros.


As consequências de adoção do sistema ISDS são mais profundas, pois têm efeito de intimidação sobre o próprio processo democrático dos países, ante a simples possibilidade de ser alguma corporação processada com base em legislação interna de defesa do consumidor ou meio ambiente, entre outros. Portanto, um acordo externo comercial entre corporação internacional e o Estado pode impedir as formas de garantir a efetividade dos direitos humanos da população desse Estado nacional, caso violados pelo investidor. É uma forma de inviabilizar o cumprimento da decisão do próprio sistema judicial dos países soberanos.


Desta forma, ao invés de ser a corporação Chevron obrigada a indenizar as vítimas dos crimes ambientais cometidos por sua antecessora, a petrolífera acabou sendo beneficiada com essa decisão da corte arbitral no sentido de obrigar o estado do Equador a indenizar a corporação com um valor a ser arbitrado, em decorrência do contrato firmado entre o Equador e o Governo dos Estados Unidos em benefício do investidor.


Essa determinação absurda foi fortemente criticada por Paulo Fajardo, advogado dos reclamantes equatorianos, que contestou a validade desse resultado arbitral, afirmando não ser possível admitir que o Equador, como país soberano, tenha que indenizar a corporação que fora autora de gravíssimos crimes ambientais e de violação de direitos humanos. Alegou que a questão da arbitragem entre Equador e Chevron difere da questão judicial movida por vítimas desses crimes, na Amazônia equatoriana, cujo andamento foi retardado pela corporação, de inúmeras maneiras, a ponto de demorar 25 anos para ter a sentença homologada em última instância pela Corte Nacional de Justiça de Equador.


Com efeito, a aplicação da decisão arbitral implicaria em violação da norma constitucional do Equador e do princípio da separação dos poderes vigente no país, transformando em mera ficção jurídica a autonomia interna e a soberania externa dos países signatários e deixando a população, cujos direitos humanos foram violados, sem qualquer reparação até a presente data, em evidente violação dos tratados internacionais dos direitos humanos.


Historiando os fatos, na época em que o Equador era dirigido por um governo militar, deu em concessão para a Texaco Ecuador o direito de exploração de petróleo, como controladora do consórcio formado pela estatal CEPE (Corporación Estatal Pertrolera Ecuatoriana) e a Texaco Gulf, na Amazônia equatoriana. Assim, entre 1964 e 1992, a Texaco Ecuador comandou os trabalhos de extração de petróleo na região próxima ao Lago Agrio. Em atitude colonialista, negligente e desrespeitosa, nessa atividade desconsiderou medidas preventivas, uso de técnicas apropriadas e de orientação para as pessoas da região, habitada por campesinos e por grupos de povos indígenas. A área atingida pela contaminação por despejo de petróleo foi de 450.000 hectares e a população impactada atingiu 30.000 vítimas. (Relatório Chevron Toxico 2017). A contaminação prejudicou o ecossistema, destruiu a subsistência das pessoas afetadas e influenciou profundamente suas culturas (Beristain 2009).


Após o término das atividades petrolíferas, em 1993, Steven Donziger, advogado nos Estados Unidos, propôs uma ação coletiva no juizado de Nova York contra a Texaco, em nome da “UDAPT - Unión de Afectados por Texaco”, representando 30 mil integrantes de um grupo de povos indígenas e agricultores equatorianos da região atingida (processo Aguinda v Texaco), pleiteando indenização pelos sofrimentos que causou. Atendendo ao pedido da própria Texaco, que alegou a aplicação da doutrina do “forum non conveniens” para que o tribunal dos Estados Unidos rejeitasse a ação judicial com o fundamento de que o tribunal do Equador seria o competente tendo em vista que os fatos narrados tinham ocorrido naquele país, e considerando que a Chevron aceitava a Justiça equatoriana por confiar nela, em 2002 a Corte de Apelação nova-iorquina acatou os argumentos da Chevron e delegou o feito ao país latino-americano, para dar continuidade à disputa.


O advogado americano Steven Donziger.

Na ocasião, em 2001, a entidade ambientalista EarthRights International, uma das que participaram como amicus curiae, discordou da decisão inicial do tribunal distrital de Nova York por atender o pedido da Chevron, que fundamentara que seria improvável que os queixosos declarassem reivindicações por violações do direito internacional sob o fundamento da Alien Tort Claims Act, ATCA (Ato de Reivindicação de Delito Estrangeiro), instituto do direito norte-americano eficaz para possível responsabilização de empresas transnacionais por violações de direitos humanos em países estrangeiros. O amicus curiae entendeu que houve erro do tribunal em aplicar a doutrina do fórum non conveniens (foro incompetente) ao recusar haver interesse dos Estados Unidos no julgamento dessas reivindicações. Efetivamente, os querelantes reclamavam no processo da discriminação sistemática que sofreram, por meio de práticas utilizadas pela Texaco que se desviaram dos próprios padrões ambientais da corporação e violaram os direitos fundamentais à vida, segurança e saúde dos querelantes, vedado pelo direito internacional e, segundo as evidências, a Texaco agiu assim também devido a ter uma falta de consideração pelos povos indígenas da Amazônia, tal fato constituindo discriminação racial merecedora de apreciação e julgamento pela Corte norte americana.


É possível que a corporação, nesse seu pedido, tivesse como perspectiva a probabilidade maior de sucesso em juízo singular no Equador ao invés de enfrentar um júri popular nos Estados Unidos, com base ainda no instrumento da lei norte-americana ATCA.


Nesse tempo, em 1997, tinha entrado em vigor um Tratado entre a República do Equador e os Estados Unidos de América sobre promoção e proteção de investimentos, que havia sido firmado em agosto de 1993. Também em 1995 houve um acordo entre os participantes do consórcio Texaco Ecuador, a estatal equatoriana CEPE e a Texaco Gulf a respeito das reparações ambientais necessárias. Esse acordo abordava a relação entre o Estado do Equador e a investidora Texaco, sendo que faltou uma confirmação expressa quanto ao cumprimento das reparações ambientais por parte da Texaco.


Interessa destacar que a contaminação ambiental continuada ocorreu entre 1964 e 1992, precedendo esses acordos, portanto estes não poderiam servir de fundamento para a análise pela corte de arbitragem em Haia.


Com a fusão da Texaco com a Chevron, em 2001, o caso foi reaberto contra a Chevron, em 2003, perante o Tribunal de Justiça do Equador. No decorrer dos 28 anos, desde 1993, sob o comando da empresa advocatícia especializada em “salvamento de corporações” (Gibson, Dunn), o andamento do processo, da parte da Chevron, seguiu uma linha de intimidação de lawfare, articulando ações, inclusive extrajudiciais, para desacreditar os apoiadores do pedido judicial, utilizando a imprensa, com compra de notícias atacando juízes e até o governo do Equador, na época sob a presidência de Rafael Correa, além de manter sítios na internet divulgando fatos de seu interesse e informativos denegrindo a imagem daqueles que enfrentavam a corporação (entre estes, Amazon Post, Justiça Bruta, Juicio Crudo).


Apesar disto, em 2011, a Chevron foi condenada, em primeira instância, pelo Tribunal de Sucumbíos, no Equador, a pagar 19 bilhões de dólares, sendo metade a título de compensação e outra metade como pena de multa por danos, com base na “má conduta da Texaco, a má fé com a qual a ré agiu [neste] litígio e a falha da conduta da ré em reconhecer publicamente a dignidade das vítimas e o seu sofrimento”. Em janeiro de 2012, o Tribunal em segunda instância confirmou a sentença com fundamento na responsabilidade civil objetiva das atividades do objeto social da empresa, que implicam em riscos; que os danos poderiam ter sido evitados simplesmente usando a tecnologia disponível e que os valores pecuniários de reembolso e indenização atendiam ao critério da proporcionalidade.


Após a decisão de primeira instância, a Chevron vendeu todos os bens patrimoniais no Equador, com a notória intenção de fraudar a execução da sentença condenatória.


No decorrer do processo no Equador, pelo andamento do processo e observando que todas as artimanhas utilizadas pela Chevron não lhe rendiam o resultado esperado, em 2009 a Chevron instaurou, perante a Corte de Arbitragem em Haia, um processo contra o Estado do Equador no âmbito do Tratado bilateral (BIT) EUA-Equador, tentando impedir que o processo judicial no Equador seguisse para uma condenação sua pela poluição ambiental continuada da floresta amazônica.


A estratégia da corporação prosseguia. Em 2011, com a condenação judicial pendente ainda de recursos, a Chevron ingressou com ação civil com alegação de “extorsão” com base na Lei “RICO” (Lei de Combate a Organizações Corruptas e Influenciadas pelo Crime Organizado) contra o advogado Steven Donziger, que coordenava a defesa dos querelantes equatorianos, e dois autores do processo equatoriano, o líder indígena da Secoya Javier Piaguaje e o agricultor Hugo Camacho, com pedido de indenização de valor próximo a 60 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, julgamentos civis que envolvem pedido de indenização monetária acima de 20 dólares podem ser decididos por um júri popular. Em novo lance, duas semanas antes do julgamento, a Chevron retirou o pedido de indenização. Pretendia obter no processo uma medida cautelar, alegadamente, “contra o avanço do esquema extorsivo de Donziger contra a empresa”. A indenização altíssima era para intimidar o advogado e afastá-lo da condução do processo na fase do recurso perante a Justiça no Equador. E a retirada do pedido de indenização em valor absurdamente alto era para garantir que o processo em Nova York fosse julgado por um juiz singular, e não por um tribunal de júri, mais difícil de ser manipulado.


Em processo incomum, um dos mais notórios processos de intimidação (SLAPP - Strategic Lawsuit Against Public Participation) de todos os tempos, o juiz Lewis Kaplan - conhecido como amigo de grandes corporações – admitiu o processo. Em março de 2011, Kaplan concedeu uma liminar baseada em equidade, pois carecia de fundamento legal, proibindo Donziger e os representantes dos grupos indígenas de executar nos Estados Unidos a sentença condenatória no Equador, alegando que o processo no Equador envolveu caso de corrupção e uma série de irregularidades. Na decisão em 2014, não conseguiu apresentar prova robusta dessa alegação, mas julgou o processo do Equador inválido. E também considerou Donziger culpado, em relação a seu desempenho no processo do Equador, afirmando ter cometido “crime organizado, extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e manipulação de testemunhas”. Esse processo de Nova York continha irregularidades flagrantes, inclusive a admissão de oitiva de “testemunhas anônimas” a favor da Chevron.


Foi decisivo o testemunho do ex-juiz equatoriano, Alberto Guerra, que fora aposentado pelo Tribunal do Equador por atos de desonra por recebimento de subornos. Da Chevron, recebeu cerca de US $ 2 milhões em dinheiro e benefícios por violação de princípios legais e éticos, por dar testemunho no sentido de que Donziger havia aprovado um "suborno" a um juiz equatoriano e havia escrito a decisão final do tribunal para o juiz e que ele mesmo, Guerra, supostamente teria passado para ele em um arquivo do computador. Este fato nunca foi confirmado, pois uma investigação forense no computador do juiz equatoriano provou que Guerra havia mentido. Posteriormente, Guerra admitiu que havia mentido sobre esses fatos, visando elevar a recompensa por seu perjúrio. No processo em Nova York, porém, essa prova testemunhal foi considerada válida, sendo que a sentença judicial baseou-se nela. E, posteriormente, foi confirmada pelo Tribunal de Apelação de Columbia (vide RT News no Youtube).


Em sua petição de amicus curiae, o renomado advogado Stuart G. Gross, do Centro de Defesa do Meio Ambiente em apoio aos grupo dos querelantes do Lago Agrio, em junho de 2011, afirmou que o tribunal distrital de Nova York cometeu um erro ao emitir uma liminar impedindo a execução em qualquer lugar do mundo de uma sentença emitida por um tribunal estrangeiro, pois o tribunal distrital não tem essa autoridade nem competência e que se constitui em uma decisão sem precedentes criado para a Chevron, pois jamais um tribunal anteriormente havia reconhecido tamanho poder abrangente. Inexiste essa autoridade para determinar para todas as nações do mundo se devem, ou não, reconhecer uma sentença proferida no Equador.


Na sentença, Kaplan afirmou que o Equador “não dispõe de tribunais imparciais ou procedimentos compatíveis com o devido processo” e que “não opera de forma imparcial, com integridade e justiça na aplicação da lei e da administração da Justiça”. Inclusive, proibiu que a defesa de Donziger mencionasse no processo a expressão "poluição no Equador", que considerava irrelevante para o caso.


Mediante essa sentença, proibiu Donziger de executar a sentença da Justiça do Equador contra a Chevron nos Estados Unidos. Serviu também para sustentar o segundo pedido da Chevron junto ao Tribunal de Arbitragem, em Haia, que resultou na reviravolta da situação. Simplesmente, por uma abstração jurídica, sem a comprovação eficaz, o fato real dos crimes ambientais deixou de ter validade jurídica, visto que a decisão condenatória da Corte Suprema do Equador foi considerada nula, e as vítimas da violação dos direitos humanos deixaram de receber a indenização devida.


Em conclusão, a proteção dos direitos humanos deve atentar para os tratados realizados entre Estados receptores de investimento de um lado e as corporações internacionais, representadas pelos Estados Unidos como outra parte, pelo fato de que, a exemplo do caso da Chevron no Equador, podem interferir no respeito aos direitos fundamentais da população do país onde o investimento é feito.


Ao estabelecer um prazo impossível, Kaplan invocou um tecnicismo para afirmar que Donziger havia "renunciado" a todos os privilégios de advogado-cliente e insistiu que ele entregasse mais de 17 anos em comunicações confidenciais com seus clientes. Sem a apreciação do caso por um júri popular, o juiz singular Kaplan aceitou as provas mentirosas de Guerra e "condenou" Donziger por fraude no processo equatoriano e determinou que entregasse seu computador e celular para análise pela Chevron. Por considerar que esta ordem violaria o princípio elementar de confiança e do sigilo entre advogado e cliente, Donziger, por direito, se recusou a obedecer, enquanto o caso a respeito estivesse pendente de uma confirmação pelo tribunal de apelações. Julgando-se desrespeitado, Kaplan acusou Donziger de desacato. Embora se tratasse de uma questão processual civil, Kaplan fez acusação criminal de desacato contra ele.


Diante do absurdo da situação, a promotoria de Nova York se recusou a aceitar a denúncia. Contrariando a decisão dessa autoridade legal estadual, Kaplan nomeou um advogado particular para fazer a acusação, possivelmente alguém de conhecimento da Chevron. Ainda mais, rejeitando o habitual processo de sorteio de juiz, determinou para alguém de escolha sua, a juíza distrital dos EUA Loretta Preska para supervisionar o caso, que foi encaminhado por intermédio de “denúncia formulada por empresa de advocacia”, em “substituição à promotoria”, que, se negara, por considerar a denúncia inadequada.


A juíza Preska sentenciou Donziger a prisão domiciliar preventiva, com uso de tornozeleira eletrônica, mandou apreender seu passaporte, embora ele tivesse comparecido a todas as intimações e suspendeu sua licença para advogar. (vide Sharon Lerner, The Intercept, 24/2/2020) Após seis meses de sua suspensão de advogar e da prisão preventiva domiciliar, houve uma recomendação veemente de John Horan, conselheiro da Ordem dos Advogados de Nova York a favor da reativação de sua licença.


Em 24 de junho de 2019, várias entidades ambientalistas de projeção internacional, Anistia Internacional, Greenpeace, Rainforest Action Network, Pachamama Alliance e HEDA - Human & Environmental Development Agenda, Re:Common e The Corner House, enviaram carta para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, expondo as ilegalidades existentes no processo de Nova York - ao considerar inaplicável a decisão da justiça do Equador -, e considerando extremamente preocupante o fato de que a Chevron foi capaz de alavancar esse depoimento aparentemente pago e amplamente falso (do ex-juiz Guerra) para atingir a reputação do Sr. Donziger, que vinha trabalhando por mais de duas décadas com as comunidades afetadas no Equador para responsabilizar a Chevron por aquilo que, na opinião dessas entidades, é “considerado um dos piores desastres ambientais causados por petróleo no planeta”.


Em 6 de agosto de 2020, houve um “webinar” em solidariedade ao advogado norte-americano Steven Donzinger, de que participaram Paz y Mino (Amazon Watch), Simon Taylor (Global Witness), Lauren Regan (Civil Liberties Defense Center), Roger Waters (Ativista e Artista) e Steven Donziger, que continua em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Foi, então, divulgado o abaixo assinado a ser dirigido ao Congresso dos Estados Unidos, aos membros da “Comissão dos Direitos Humanos Tom Lantos” e aos membros da “Subcomissão de Constituição, Direitos Civis e Liberdades Civis”, para manifestar a preocupação de membros do Parlamento Europeu, Subcomissão de Direitos Humanos, de vinte e nove ganhadores do Prêmio Nobel, centenas de advogados, várias organizações não governamentais de reconhecimento internacional e de muitos outros cidadãos, para pedir a libertação imediata do advogado de direitos humanos Steven Donziger e para que a Chevron cumpra imediatamente as regras do estado de Direito (rule of law) e pague a indenização da sentença a que foi condenada pelo tribunal judicial a que deve submissão o povo do Equador. E também para que se investigue imediatamente como a Chevron assumiu o controle estatal de apresentar uma denúncia e o usou para privar um respeitado advogado de direitos humanos de sua liberdade em um esforço para intimidar e silenciar o direito de defesa legítima (vide Amazon Watch).



Haverá nova audiência em Nova York no dia 9 de setembro na mesma jurisdição de Nova York e, na falta de ampla manifestação internacional contrária, dificilmente haverá mudança das possibilidades atualmente pouco favoráveis ao advogado, pois a imprensa norte-americana permanece calada pela rede de influência da Chevron.


A questão é preocupante também internamente, pois não sabemos quando teremos um caso semelhante com as investidas que a Amazônia brasileira vem sofrendo com intensidade!

 

Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima é advogada, associada do IBAP, mestre em Direito do Estado, mestre em Ciências e auditora-tributária fiscal da PMSP, aposentada.

 

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1 comentario


carlosmares
31 ago 2020

Este é realmente um caso insólito e muito esclarecedor dos tempos perversos que vivemos. Muito bem exposto. Parabéns pelo tema e pelo texto.

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