-LUCAS SOUTO BOLZAN-
O Brasil passa por uma crise de identidade em todas as esferas. A população brasileira sofre e sente isso. Nunca vivemos um momento tão complicado ideologicamente, onde as pessoas não se toleram. Recentemente vi um meme na internet em que a filha (filmando escondida e brincando) dizia ao pai que estava namorando um “liberal” e o pai, de forma ríspida retrucou: “Como você pode ficar com um bolsonarista?”. Em sentido contrário (Lula, esquerda, etc.) deve ocorrer o mesmo fato, em família diversa. Enfim, vivemos opostos tão raivosos que nem namorar entre si é possível. Com o direito do trabalho, passa-se o mesmo.
Li alguma vez em um livro de direito do trabalho, a seguinte história: imagine eu, de forma hipotética, entrando em uma loja de conveniência de qualquer posto de gasolina e lá pegar seis cervejas e sair pela porta sem pagá-las. Provavelmente alguém sairia atrás de mim e gritaria algo como “pega ladrão”, sem contar as outras possíveis repercussões de natureza física contra a minha pessoa. Agora, caso o dono do posto de gasolina não pague o feriado trabalhado de algum trabalhador (que tem um custo menor do que seis cervejas, creio eu) haveria tamanha resistência? Certo que não. O brasileiro não dá mais atenção aos seus direitos de forma geral, tampouco aos trabalhistas.
O dia do trabalho não vai ser comemorado. Estamos vivendo em um profundo abismo social e ético que corrobora a criação de um ideário imaginário popular de que ser “empreendedor de si mesmo” ou figuras afins é bom e saudável. As pessoas não sabem que o que defendem é exatamente o que as coloca em condições sociais cada vez piores. A disputa entre o capital e do trabalho nunca esteve tão desbalanceada. Vivemos em um mundo de incertezas e ignorância.
Desejo que em 2022 o dia do trabalho seja de reflexão, afinal é ano eleitoral. Não podemos mais continuar com o crescente número de desempregados (acima de 13%), tampouco com a aceitação natural de condutas cada vez mais degradantes aos trabalhadores. E aqui o discurso não é protetivo, visto que é no equilíbrio entre as forças (capital e trabalho) que o benefício é geral. Os empregadores sofrem com o aumento exponencial da desigualdade social, afinal, não tem mais clientes para suas mercadorias. Uma classe trabalhadora com direitos e dignamente remunerada resolve boa parte do problema econômico. Não necessita ser um gênio para compreender que quanto mais pessoas tiverem o mínimo de condições de ter uma vida com alguma estabilidade financeira, é melhor para o país em geral (inclusive para os super ricos).
O direito do trabalho é instrumento de transformação social e um regulador do nosso modelo de sociedade. A nossa Constituição consagrou o valor social do trabalho e a preservação da dignidade humana com a ideia de produzir justiça social dentro de uma sociedade capitalista – é isso que devemos buscar.
Lucas Souto Bolzan - Advogado. Doutorando em Direito Econômico na UFRGS. Professor de Direito e Processo do Trabalho na UNICNEC-RS e associado do IBAP
Sim "As pessoas não sabem que o que defendem é exatamente o que as coloca em condições sociais cada vez piores. A disputa entre o capital e do trabalho nunca esteve tão desbalanceada. Vivemos em um mundo de incertezas e ignorância." A sensação é de retrocesso. Contínuo...
Excelente texto, em que se mostra, efetivamente, o quanto ainda se pensa, no Brasil, o trabalhador como ferramenta animada, que deveria agradecer por lhe ser permitida a existência, e esta visão evidentemente primitiva, da qual o simples discordar já tem autorizado, nestas terras muito atrasadas, lançar a pecha de "comunista", ao cabo se volta contra o próprio interesse do empresariado. Justamente em razão de não se colocar para este a pergunta: "quem vai comprar o que você vende?"
Parabéns doutor Lucas , soube retratar bem o mento , tiveste um grande vizao com as palavras ,como sempre justo inteligente e sincero
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Parabéns Lucas pela análise. Caminhamos para a precarização crescente que precisa ser urgentemente revista. A fragilização das relações do trabalho é a fragilização da própria sociedade.
Claríssima explicação, Lucas Bolzan!! Só não entenderá quem não quiser. Parabéns!!