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E deixem os Portugais morrerem à míngua...

- José Eleutério Brandão Alves -


A área de Portugal é de aproximadamente 92.212 km². Fosse um estado federado da República do Brasil, Portugal seria o 21º estado em extensão territorial, superando tão somente Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal.


Para se ter uma ideia, a área do Brasil é de cerca de 8.515.767 km². Se dividirmos a área do Brasil pela área de Portugal, chegaremos à conclusão de que caberiam aproximadamente 92 "Portugais" dentro da área do Brasil.


A disparidade populacional não é menos gritante. O Brasil conta hoje com cerca de 215 milhões de habitantes, ao passo que a população portuguesa é de pouco mais de 10 milhões de pessoas. Ou seja, há 21,5 vezes mais brasileiros do que portugueses.


Estes dados, porém, não se refletem no número de vencedores de prêmio Nobel. Portugal conta com José Saramago, vencedor do Nobel de Literatura em 1998, ao passo que o Brasil, que deveria ter, porporcionalmente, 21,5 vencedores, não tem nenhum.


Isto me leva a crer que o Brasil nunca se adaptou à língua portuguesa. No Século XVIII, éramos um país com uma língua própria - a chamada "língua geral" (nheengatu), diretamente derivada do Tupi. Por conta de uma ordem vinda de Lisboa, especificamente do Marquês de Pombal, a língua geral brasileira foi proibida em todo o território da colônia.


O genial escritor Lima Barreto, em passagem memorável do quarto capítulo de seu romance "Triste Fim de Policarpo Quaresma", conta a história de um requerimento do protagonista à Câmara, para que o Congresso Nacional decretasse o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro:


"O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática".


Hoje, outros países da América Latina contam em suas Constituições com a previsão expressa de idiomas oficiais originários. O art. 5º, inc. I, da Constituição Boliviana reconhece oficialmente o castelhano e todos os idiomas das nações e povos indígenas originários campesinos, como o aimará, o guarani, o quechua e muitos outros. O inc. II do mesmo dispositivo determina que o governo plurinacional e os governos departamentais devem utilizar pelo menos dois idiomas oficiais, sendo um deles o castelhano.


No Brasil, o município amazonense de São Gabriel da Cachoeira "ousou" desobedecer o Marquês de Pombal. Ali, os idiomas oficiais são o tukano, o baniwa, o nheengatu e o português.


Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estima-se que mais de 250 línguas sejam faladas no Brasil. Desse total, 180 são línguas indígenas atualmente faladas (Fonte: Agência Câmara de Notícias).


Em muito boa hora, Ailton Krenak ingressou na Academia Brasileira de Letras. A honra, diga-se de passagem, é da ABL. Na cerimônia de sua posse, disse o novo "imortal":


"Espero que o Brasil inteiro, os outros brasileiros, possam entender que nós estamos virando uma página da relação da ABL com os povos originários. Eu já disse que venho para cá para trazer línguas nativas do Brasil para um ambiente que faz a expansão da lusofonia".


"Teria tudo a ver com a Academia Brasileira de Letras incluir mais umas 170 línguas além do português. Se olhamos os acervos que já existem, o Museu do Índio tem um acervo muito antigo de registros de narrativas, algumas delas só na língua materna. Vamos traduzí-las com uma tradução simultânea e as pessoas vão poder ouvir. Podemos fazer isso junto com todas as etnias que estão envolvidas no resgaste linguístico. A UNESCO declarou essa década, a segunda década das línguas indígenas. Podemos chamá-la para dar um pouco mais de publicidade junto com a ABL, porque quando está na web, está no mundo, deixa de estar apenas no site. A ideia é priorizar a oralidade, e não o texto. O que ameaça essas línguas é a ausência de falantes".


Tramita no Congresso Nacional o PL 3074/19, que torna cooficiais as línguas indígenas nos municípios onde houver comunidades das etnias correspondentes. Uma língua cooficial é a que compartilha juridicamente o status de oficialidade com outra em um dado território nacional sem que haja sobreposição entre elas. (Fonte: Agência Câmara de Notícias).


Afinal, está mais do que na hora entendermos o que significam estas palavras que desde pequenos pronunciamos sem termos a menor ideia do que significam: Ipanema, Paraty, Ipiranga, Tatuí, Morungaba, Piauí, Anhanguera, Guarujá, Guararema, Cuiabá, Itapecerica, Ceará, Barueri, Bauru, Pariquera-Açu, Itanhaém, Juquitiba, Embu-Guaçu, Araraquara, Iguatemi... Precisamos nos livrar desta nossa condição de analfabetos: nossa pátria é nossa língua - e nossa pátria não é Portugal!


 

JOSÉ ELEUTÉRIO BRANDÃO ALVES - Natural de Goa (Índia), o autor é cronista e viajante. Já morou em Macau (China), Timor Leste, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé & Príncipe. Atualmente reside no Brasil.




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