-REGINA PICCOLO-
O mês de novembro é tomado por comemorações que ressaltam o Orgulho Negro. Dia 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, sendo este o primeiro ano em que o feriado tornou-se nacional.
Homenagear Zumbi dos Palmares tem grande significado para o reconhecimento da resistência e luta dos povos negros. Graças aos movimentos negros, Zumbi passou de vilão à herói nacional.
Ao tempo dos meus bancos escolares só ouvia falar da dominação dos colonizadores e da subjugação dos povos africanos, até com certo regozijo se enfatizava a miscigenação promovida com sucesso graças à vinda dos europeus. Silenciava-se sobre a existência de quilombos e das batalhas travadas, recusando-se em admitir a força e o poder dos negros que lutaram por sua liberdade e dignidade.
Por tal razão, não é desprovido de sentido que se tenha agregado à justa homenagem a Zumbi também o dia da Consciência Negra, de modo a fortalecer a Negritude. O mestre Kabengele Munanda ensina que “A negritude torna-se uma convocação permanente de todos os herdeiros dessa condição para que se engajem no combate para reabilitar os valores de suas civilizações destruídas e de suas culturas negadas”.
É preciso chamar a atenção para os heróis e heroínas da pátria, como Luísa Mahin, Dandara, Maria Felipa, João Candido (o Almirante Negro), Luiz Gama e tantos outros. Para com eles há um débito histórico em filmes, peças de teatro, livros e músicas que os imortalizem no imaginário nacional.
Há muito o que fazer para a promoção da igualdade, representatividade e respeito, vindicados pelos negros por sua condição humana, mas especialmente como reparação histórica, efetiva e premente. Alguns dirão que todos têm direito, todas as vidas importam, de modo que deveria ser o dia da consciência humana.
Chega a ser risível, se não fosse demasiado cansativa, essa narrativa de uma branquitude ressentida, que não quer abrir mão de uma nesga de poder. Queixa-se de que justo na sua vez (ou de seus filhos) tenha que disputar com reserva de cotas para negros de 50%, 30% ou menos, se sempre tivera cota de 100%?!?!
Todo tipo de falácia é vociferado para desacreditar o sistema de ações afirmativas, até mesmo culpando os parcos ingressantes por uma suposta queda no “nível” do sistema de ensino ou do quadro de profissionais, receando por reflexos de credibilidade da instituição. Porém, não temem a vergonha de sua própria fala obtusa!
Ah, o racismo é mesmo um monstro, que se espraia sorrateiramente pelos escaninhos públicos e privados, invade grupos de altas patentes acadêmicas e profissionais, ocupa o cume de postos com grande respeitabilidade social, destila sua perversidade em rodas de grandes ou pequenas empresas, marca presença em botequins, almoços, corredores e arrebaldes.
A retórica da divisão social é cômoda para manter tudo em seu lugar. Alegar que as cotas trazem desconforto social é reconhecer nossa cegueira seletiva. E quanto ao desconforto dos negros? E os pais negros que viam seus filhos sem qualquer chance de cursar uma faculdade pública ou disputar vagas em cargos públicos?
A erradicação do racismo depende em larga medida de letramento racial, pois educação é a base para compreensão da necessidade da mudança, mas também de sensibilidade. Não basta apresentar os dados sobre as desigualdades e as injustiças sociais entre brancos e negros, se o egoísmo e a ausência de empatia repelem enxergar que é preciso equalizar os acessos aos direitos fundamentais. Para muitos, é fácil, comovente e importante dissertar conceitualmente sobre democracia, cidadania, igualdade, dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, mas peraí: farinha pouca, meu pirão primeiro!
Regina Piccolo - DPO da SABESP, Advogada, Professora, Mestre PUCSP, Esp. Direito Ambiental USP, MBA Gestão Empresarial FIA, Rel.TED OAB/SP, ex-Coord Comissão de Ética e associada do IBAP.
Muito oportuna e necessária a interpretação da comemoração do dia nacional da Consciência Negra. Fiquei satisfeita pela menção ao professor Kabengele Munanga, que integrou minha banca de Mestrado na Escola da Pós-Graduação de Ciências Sociais, da FESPSP, em 1977, onde era professor-visitante. Parabéns, Regina Picollo!