CIDADE ORIGEM DA CONSOLIDAÇÃO COLONIAL DA AMAZONIA BRASILEIRA PODE
SER PORTA PARA VOZ AOS POVOS DA PANAMAZONIA
-IBRAIM ROCHA-
A Amazônia sempre teve uma história colonial internacionalista, inclusive isto resultou em uma história distinta da sua formação territorial da Colonização Portuguesa da área territorial que se consolidou o Brasil.
A cidade de Belém foi fundada em 12 de janeiro de 1616, após os portugueses derrotarem os franceses no Maranhão que partiram do Maranhão em 22 de dezembro de 1615, num processo de ocupação da foz do amazonas, onde está situada a capital paraense, que já estava em processo de ocupação por franceses, holandeses e mesmo espanhóis, portanto, este é o marco de ocupação colonial da Amazônia pelos portugueses, liderados pelo capitão Castelo Branco. Desde então já se percebe que ela inicia a sua história pela disputa entre as potencias europeias da época, que já percebiam a sua importância e diferença para saque de produtos naturais e do sonhado El Dorado. Portanto, a Amazônia não fazia parte do império português, e óbvio, também do que era o Brasil.
Como era uma região em disputa, Filipe II, rei de Espanha e Portugal, decidiu por meio de documento, datado de 20 de junho de 1618, promover oficialmente a divisão da colônia americana, com a separação do Governo do Maranhão, com sede em São Luís, que era formado pelas capitanias do Maranhão, Pará e Ceará, do Brasil. Ou seja, dando tratamento distinto de colônia.
De fato, somente com a assinatura do Tratado de Madri, em 13 de janeiro de 1750, foi que portugueses e espanhóis confirmaram a conquista da região amazônica aos portugueses, sendo que em 1751, a sede do Estado do Grão-Pará e Maranhão passa para Belém, para acelerar a demarcação do novo território.
Estes marcos de distinção da Amazônia foram confirmados pela transformação da região em Estado do Pará e Rio Negro, 2º de agosto de 1772, sem subordinação ao vice-rei do Brasil, vinculado diretamente a Lisboa, sendo que em 16 de dezembro de 1815, foi elevada a categoria de Provincia Ultramarina de Portugal.
De fato, somente com a proclamação da independência, houve uma nova unificação com o império, com a adesão do Pará em 15 de agosto de 1823, rompendo definitivamente os laços com Lisboa.
Isto marca que a Amazônia sempre teve o seu processo de integração como alvo de disputa por agentes externos desde a sua origem, o que apesar da linguagem mais moderna, não foi diferente com a grande integração nacional na década de 70 com a ditadura militar, com o integrar para não entregar.
O ponto comum, é que desde a origem, quem menos teve participação ativa nestes processos de “integração” foram os povos autóctones da Amazônia, portanto, essa contradição histórica é ainda presente, mesmos nos discursos contemporâneos de preservação da Amazônia, embora o discurso seja de uma proteção da nação brasileira, mas que, infelizmente, ainda repete o mesmo modus operandi.
Reconhecer estas contradições históricas, reforça o papel histórico desta cidade como palco da COP 30, como uma chance de que desta vez a cidade sirva de palco para que os povos da floresta sejam finalmente ouvidos, num processo efetivo de descolonização.
O Censo Agropecuário IBGE 2017, fornece alguns dados de como há um modelo de ocupação tradicional que estava escondido, e que pode ser visibilizado em toda a pan amazônia, a partir das múltiplas experiencias dos povos das florestas, já que a maioria das emissões da gases de efeito estufa do Brasil vem do desmatamento.
O IBGE aponta que os estabelecimentos agropecuários localizados nas RESEX, RDS e Florestas de Uso Sustentável estão concentrados na Região Norte (90,22%), sendo que 81,04% dos estabelecimentos estão concentrados em três estados – Amazonas, Acre e Pará. Nessas áreas, dentre os estabelecimentos agropecuários dedicados à produção florestal, em 98,70% o trabalho é realizado em florestas nativas, enquanto fora das RESEX, RDS e Florestas de Uso Sustentável esse percentual é de 67,30%.
Nessas unidades, os produtores pretos, pardos e indígenas somados correspondem a 85,42%, sendo a maior parcela de pardos (70,99%). Nessas áreas, os produtores indígenas são responsáveis por 5,83% dos estabelecimentos.
Reconhecendo o 6º Relatório do IPCC que as estratégias de mitigação para alcançar as reduções de emissões líquidas de GEE tem papel essencial as remoções no setor de Agricultura, Florestas e Outros Usos do Solo (Afforestation, other land use --AFOLU), não se pode deixar de lado a importância da ação das comunidades tradicionais para combater o desmatamento, promover recuperação e novos modelo de uso da terra.
A Amazônia Brasileira é a síntese das contradições da conservação x desenvolvimento, e Belém, com seu patrimônio histórico de eclética arquitetura europeia, lugar da mais autêntica culinária brasileira, do tucupi, jambu e maniçoba, terra de corpos negros e ribeirinhos dos movimentos do carimbó e siriá, que se unem em metamorfoses cosmopolitas, como o tecnobrega, sirva de inspiração para a construção da sustentabilidade global, unindo a inovação com o conhecimento tradicional, sem estranhamentos e contradições.
Este é o nosso sonho e todos estão convocados a construir em 2025.
IBRAIM ROCHA é Procurador do Estado do Pará, Doutor em Direito (UFPA) e membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.
Em rápida e ótima revisão histórica, Ibraim Rocha mostra a imposição do silêncio, até agora, para os sons das Florestas e para a opinião dos legítimos ocupantes da região amazônica. Importante a realização da COP em Belém para ouvir essas contribuições e abrir um diálogo entre as aspirações modernas e as ricas tradicões de conservação da Natureza. Parabéns!