-IBRAIM ROCHA-
Antônio Bispo dos Santos, que voltou ao seu começo em 3 de dezembro de 2023, realiza no livro “A terra dá, a terra quer” um percuciente questionamento do modelo de desenvolvimento sustentável que a humanidade se propõe a fazer, e começa por mostrar que estas palavras são formas de colonizar que apenas procuram adestrar os nossos pensamentos, forma de apagamento coletivo da memória da ancestralidade dos seres e que criam uma cosmofobia que é a “necessidade de desenvolver, de desconectar, de afastar-se da originalidade” (p. 27)
A radicalidade de seu pensamento recoloca no campo da discussão da sustentabilidade ambiental, o desafio do Diálogo Crátilo platônico, quando Hermógenes questiona que nenhum nome é dado por natureza a qualquer coisa , mas pela lei e o costume dos que habituaram a chama-la dessa maneira (384 d-e), mas coloca o debate não como simples disputa de epistemologia das palavras, mas as usa como modo de agir para reconectar o ser com a natureza e engajar para quebrar o adestramento de nossas almas.
Ao propor a biointeração e a confluência mostra que somente com o abandono da colonização da mercadoria é que será possível construir a relação orgânica com todas as vidas, pois todas as vidas são necessárias (p. 26) e justamente por isso ele atua como Crátilo, não para reafirmar os jargões da sustentabilidade da mercadoria, pois se é verdade que os nomes das coisas derivam de sua natureza e que nem todo homem é formador de nomes, mas apenas os que, olhando para o nome que cada coisa tem por natureza , sabe como exprimir com letras e silabas sua ideia fundamental (390- e) , ele então como negro quilombola consegue colocar em cheque o próprio conceito de ser humanista afirmando que “Não somos humanistas , os humanistas são as pessoas que transformam a natureza em dinheiro, em carro do ano. Todos somos cosmos, menos os humanos” (p. 29)
Assim, Antônio Bispo, apresenta a chave que, se seguimos escravos da mercadoria, o que nos identifica como humanidade, o conceito de humanismo somente pode ser negativo, pois nos impede de abandonar o conceito de desenvolvimento de que é uma palavra companheira que nos impede de ser criaturas da natureza pois “os humanos querem sempre transformar os orgânicos em sintéticos, os orgânicos querem apenas viver como orgânicos, se tornando cada vez mais orgânicos” (p. 30).
Precisamos então restaurar o Anthropos socrático para ser verdadeiramente o animal que comtempla o que vê (399 -c) e resgatar o sentido de estar integrado a natureza e não seguir cegos pelo colonialismo da mercadoria, aderindo a um movimento de transfluência, pois “transfluindo somos começo, meio e começo.” (p. 49)
Que aprendamos a lição de Antônio Bispo dos Santos que fazer o exercício de buscar semear palavras é fundamental no combate do colonialismo da ilusão do desenvolvimento, para, como Crátilo, entender que mais importante que saber se as palavras permitem ou não o conhecimento da verdade, a tarefa permanente é busca-la, se preciso for questionando a nossa própria humanidade, como ousou fazer o quilombola do agreste do Piaui.
IBRAIM ROCHA, Advogado, Mestre em processo civil/UFPA, Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente/UFPA, Procurador do Estado do Pará.
Este texto excelente do Professor Ibraim exprime a dimensão de um modo de vida em que a cultura se faz acoplada, mas não senhora, da natureza. A raiz do individualismo da sociedade dominante está na cisão entre natureza e cultura, e desta como esforço de dominação daquela. O extremo idealismo platônico, que faz derivar o nome da própria natureza das coisas, não deixa, em si mesmo, de traduzir um anseio de justificar a dominação (Hobbes). Daí por que até mesmo a noção do humano enquanto gênero, se tem a utilidade de tornar mais difícil que cada qual encontre forma plausível de massacrar os semelhantes (embora os massacres continuem), encontra seu limite na própria necessidade de assegurar habitabilidade a todos os…