-MARIALICE ANTÃO DE OLIVEIRA DIAS-
No Carnaval de 2020, a Escola de Samba Unidos do Viradouro teve como enredo a história das 'ganhadeiras', descendentes de escravas que viviam na Bahia. A rainha de bateria da escola de Samba vestiu uma fantasia em homenagem a Luiza Mahin, rainha dos Malês, uma das lideranças da revolta pela libertação dos escravos em Salvador. Os ‘escravos de ganho’ eram marcantes no Brasil Colônia no Século XVII: já libertos, porém continuaram a sofrer com o preconceito e com a falta de oportunidades. mas tinham o direito de vender produtos e prestar alguns serviços remunerados. Assim, as mulheres trabalhavam às margens dos rios e lagoas, como foi a vida das ganhadeiras do Abaeté na Bahia, hoje imortalizadas por mulheres como Luíza Mahin, e as mulheres do Abaeté em Itapuã;
"Ô lava a roupa lavadeira do Abaeté/ Na sombra da aroeira/ Até quando Deus quiser/ Na sombra da aroeira/ Deixa o tempo passar/ Na sombra do angelim/ Espera a roupa quarar", dizem os versos da canção "Com a Alma Lavada", do grupo baiano Ganhadeiras de Itapuã.
Criado há mais de 10 anos, as Ganhadeiras de Itapuã detêm uma história que remete para o fim do século XIX e início do século XX, com o objetivo de não deixar desaparecer a memória dessas mulheres heróicas.
O feminismo negro é definido como uma maneira pela qual as mulheres negras buscam entender sua posição no contexto dos regimes de opressão desde a Idade Antiga.
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As mulheres reinavam no norte da Arábia.
A menção mais antiga à rainha de Sabá é encontrada na Bíblia, escrita no século VI a.C.. Também o Alcorão dá nome à rainha de Sabá: Bilkis ou Belkiss, tratada por Eugênio de Castro como “rainha do Sabá, d’Arum e do Hymiar”. Em busca de bons conselhos, Bilkis foi enviada a Salomão. Os historiadores acreditam que a lendária riqueza do reino de Sabá e o poder que, surpreendentemente, em outros, as mulheres foram capazes de exercer, pode explicar o desenvolvimento do mito da "rainha de Sabá".
Zípora, uma africana, esposa de Moisés e filha de Jetro, sacerdote cusita, a corajosa guerreira da realeza africana na antiguidade.
Candace, rainha dos etíopes.
No Brasil, lembra-se Dandara Zumbi, guerreira negra do período colonial do Brasil. Após ser presa, suicidou-se, em 6 de fevereiro de 1694, na Capitania de Pernambuco, Brasil Colonial, atirando-se de uma pedreira ao abismo para não retornar à condição de escrava. Foi esposa de Zumbi dos Palmares e com ele teve três filhos.
Na América do Norte, ao menos duas figuras merecem registro: Harriet Tubman (ao nascer lhe foi dado o nome de Araminta Ross, março de 1822-10 de março de 1913), conhecida como Black Moses (Moisés Negra), por haver resgatado setenta escravos utilizando uma rede de ativistas abolicionistas. Uma abolicionista e humanitária que lutou contra a escravidão e o racismo; e Ângela Davis, professora, filósofa socialista e integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos, tornou-se famosa mundialmente pela militância em prol dos direitos das mulheres e contra o racismo.
Certo é que mulheres fortes fazem um nome para si mesmas, têm princípios fortes, não toleram mediocridade olham o mundo de maneira diferente e discordam vivamente de tudo o que lhes pareça errado, não recuando jamais de suas crenças. Suas ações poderiam ser atribuías a homens particularmente viris, são mulheres de coragem e garra, independentemente da civilização e época.
Recordo essas mulheres fortes para chegar a Luiza Mahin.
A Revolta dos Malês, ocorrida no período regencial, na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, em Salvador, na Bahia, teve motivação religiosa, inspirada por escravos de religião islâmica, os chamados malês[1], que diferiam dos escravos tradicionalmente trazidos ao Brasil, que praticavam diferentes religiões. Luíza Mahin era muçulmana.
A Revolta dos Malês tinha como objetivos lutar pelo fim do regime escravocrata; conquista dos mesmos direitos que os cidadãos brancos; fim da discriminação racial; direito de liberdade do culto baseado na religião islâmica; fim da imposição da religião católica; confisco dos bens dos brancos e mulatos; criação de uma República Islâmica.
Além da discriminação racial e de todos os problemas enfrentados pelo simples fato de serem negros, os africanos e seus descendentes eram marginalizados e punidos por praticarem rituais religiosos diferentes do imposto pelo dominador branco, segundo Lorena Castro Alves, Graduada em História e Pedagogia.
Luiza Mahin, mulher notável por sua coragem e determinação em circunstâncias excepcionais e situações agitadas Embora o status das mulheres árabes tenha sofrido grandes mudanças com o advento do Islã, isso não é imediato ou uniforme em todo o território muçulmano, elas tiveram considerável poder dentro das condições eram celebradas em ritos, canções, mitos.
Luiza Mahin foi uma líder de revolucionários negros, mais de seiscentos negros e negras revolucionários rebelados no dia da Revolta dos Malês. Em 1937 saiu da Bahia para o Rio de Janeiro e desapareceu, não sendo mais encontrada. Presume-se, conforme alguns historiadores, que ela foi deportada para a África, como pena por sua participação na revolta. Em suas pesquisas bibliográficas, Luiz Gama, filho de Luiza Mahin, relata que ela teve mais um filho, cujo destino lhe era ignorado. Ele buscou incansavelmente ter informações sobre o destino de seu irmão, mas sem sucesso.
Lembranças comoventes de Luiz Gama em memória da sua mãe:
"Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."
A origem de Luiza é incerta, se nasceu na Costa Mina, na África, ou na Bahia, no Brasil. A certeza é ser da nação nagô-jeje, da tribo Mahin, advindo do seu sobrenome, do noroeste africano que no final do século XVIII foi dominada pelos muçulmanos, vindos do Oriente Médio. Tornou-se livre por volta 1812 comprando sua liberdade e sobreviveu trabalhando como quituteira em Salvador. Segundo seu filho, Luiz Gama, dizia ter sido princesa na África.
In memoriam, a Defensoria Pública da Bahia logrou a absolvição de Luiza Mahin, em Júri Popular realizado na Bahia, 181 anos após a Revolta dos Malês . No Júri Simulado, o defensor público Maurício Saporito, imbuído no papel de Juiz, proferiu a sentença que absolvendo Luiza Mahin das acusações de conspiração e insurreição contra a Coroa Portuguesa.
Sobre a dinâmica desenvolvida, a dinâmica foi a que está no processo penal com algumas adaptações de tempo, utilizando fatos, inquietações da vida da personagem, injustiças que foram relatadas, o que proporcionou mais emoção e veracidade no relato. “É importante que fique claro que foi uma simulação, e não um teatro, e o resultado foi uma surpresa, dependeu dos jurados, tudo isso foi necessário para que se pudesse reproduzir um julgamento que teria acontecido", destacou o defensor público Maurício Saporito, “porém em outra época e com outros valores”.
A luta de Luiza Mahin não deve e não pode ser olvidada.
MARIALICE ANTÃO DE OLIVEIRA DIAS. Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP e da APRODAB - Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, ativista de Direitos Indígenas.
[1] Malês (do hauçá málami, "professor", "senhor", no iorubá imale, "muçulmano") era o termo usado no Brasil, no século XIX, para designar os negros muçulmanos que sabiam ler e escrever em língua árabe. Eram muitas vezes mais instruídos que seus senhores, e, apesar da condição de escravos, não eram submissos, mas muito altivos. Na História do Brasil, notabilizaram-se pela chamada Revolta dos Malês, que ocorreu em 1835, na Bahia, onde eram mais numerosos. Também existiam comunidades de malês em Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro. https://pt.wikipedia.org/wiki
Justa homenagem a Luiza Mahin. Parabéns Marialice!