-RUI VIANNA-
Uma rápida olhada na personagem mostra a diferença profunda do modelo "big star" do entretenimento estadunidense. Vestida quase sempre com uma jardineira ou vestidos surrados, tradicionais dos caipiras americanos, coberta de tatuagens, com uma pronunciada ausência de dentes, ela é uma figura. Diferente.
Seu nome é Abby Roach, nascida em Wichita, Kansas, conta hoje 42 anos, embora aparente muito mais. Vê-se nela as marcas profundas da vida, que de forma alguma foi fácil. Mas isso foi inteiramente uma opção. Ela é uma musicista, seu instrumento as colheres. Exatamente, ela toca colheres, em canções que visitam o jazz, ragtime, country blues, vaudeville e até apalachian folk songs.
Sua especialidade são performances de rua, tocando para o público passante por trocados que garantam o sustento até a próxima performance. Desde o início de sua carreira, atravessou o país, sempre de modo alternativo, seja de carona, ou como clandestina em trens, levando ao extremo o modo de ser Hobo (Hobo é um termo da língua inglesa que designa um trabalhador itinerante, sem-teto, muito pobre mas com certo espírito aventureiro, que viaja sem destino, frequentemente como passageiro clandestino de trens de carga. Wikipedia), que ela divulga e defende em seus discursos inflamados. Tudo isso soaria absolutamente impensável no mundo do entretenimento, onde a ostentação e a imagem são toda a substância.
Não é, definitivamente, o caso de Abby Roach. Sim, pois além de musicista talentosíssima, ela é uma defensora da liberdade de expressão, além de já ter sido apresentadora de um programa de rádio chamado Busker Broadcast, onde apresentava entrevistas com músicos de passagem por Ashville, na Carolina do Norte.
Assistir aos vídeos com suas apresentações é mergulhar de cabeça no Deep America, totalmente dissociado do glamour cafona de big business em que se transformou a música e o cinema, com suas figuras plastificadas e tediosamente iguais. Fechando os olhos, me sinto transportado ao cenário selvagem de Dueling Banjos, com seus moradores locais belicosos, seus rios com corredeiras e montanhas escarpadas. Confiram, experimentem:
É uma experiência muito diferente testemunhar a alegria nos movimentos que ela realiza com suas colheres (até parece fácil!), a magia do ritmo e a integração entre os músicos. Uma diversidade muito pouco conhecida do grande público.
A busca por esse tipo de talento, normalmente oculto no streamings de música, tornou-se um hobby bastante satisfatório . E sempre uma grata surpresa descobrir algo novo, nem que seja apenas para mim.
Um grande Viva à Abby the Spon Lady e seus parceiros, que sempre levem adiante sua arte de rua e sejam fiéis a seu modo de vida, por gerações.
Rui Vianna é advogado aposentado e associado do IBAP.
Admiro quem tem essa atitude corajosa de ser sem rodeios, em um mundo que nos padroniza sempre. Obrigado por compartilhar a história de Abby conosco, Rui. (Lembrou-me da música Like a Hobo, de Charlie Winston).