Ou circo SEM PÃO
-ZECA SAMPAIO-
O Montanha colocou Ted Boy nas cordas e trançou o pescoço dele sufocando-o. Será o fim do nosso herói? Não. Num golpe mágico, Ted faz um giro se livrando das cordas e agarrando Montanha com as pernas, joga-o longe, derrubando-o. Teria sido nocaute se não fosse o gongo que permite aos dois lutadores irem para o corner se recuperar para o próximo round.
As semelhanças com os recentes eventos de nossa política é proposital e explícita. O grande malvado, como sempre, joga fora das regras, abusa das ilegalidades e da falta de ética, praticamente coloca as instituições de quatro, mas na última hora sofre um revés de nosso herói do momento. Este mesmo, que até algumas rodadas atrás era o vilão. Sim, por que o lutador que hoje é o herói, até a pouco era o malvado, mas como o bandidão da vez teve um problema de coluna causado pelas fortes acrobacias desenvolvidas nas lutas, foi preciso substituí-lo, e o produtor achou o Montanha que era bem melhor para fazer o perverso odiento. Então, em um golpe de marketing magistral, recuperou o hoje herói com uma declaração de arrependimento e um pedido de perdão em rede nacional. O povo adora uma confissão sincera.
Será possível acreditar que figuras que a pouco tempo compactuaram com a prisão ilegal do ex-presidente e seu afastamento das eleições para que o atual despresidente pudesse se eleger, sejam agora os defensores da Constituição? Aqueles que vão sanar a política brasileira com a prisão dos responsáveis pelo desastre e pela tragédia brasileira da atualidade?
Nessa toada segue, evento atrás de evento, a disputa política institucional enquanto por trás da cortina o poder econômico vai passando a boiada, emplacando suas reformas. Surge uma CPI, uma tentativa de golpe, a prisão de coadjuvantes tornando-se promessas de que um dia virão as prisões das estrelas. O outrora “culpado até que se prove o contrário” é reabilitado e volta à campanha. Isso assusta “o Mercado” que prefere empurrar com a barriga mais um pouco para ver se consegue mais algumas reformas que destruam ainda mais o Estado.
Para que o enredo funcione não é nem necessário que todos os atores saibam que estão representando, ou que conheçam o roteiro. Afinal, a reação de boa parte dos envolvidos é bastante conhecida e previsível e o roteirista pode inserir os estímulos mais apropriados com a quase certeza de quais serão as respostas de cada um e, assim, jogar com elas.
Duas práticas estão sempre envolvidas.
A primeira é a inversão da pauta, com o roubo da crítica e das reivindicações. Os corruptos acusam os que combateram a corrupção de corruptos e tornam o discurso tão odiento que fica praticamente proibido falar em corrupção sem ser confundido com eles. Atacam as instituições de tal forma que fica difícil criticá-las sem se tornar um deles. De repente, oposição se vê precisando elogiar quem teve papel importante no golpe que lhe tirou do poder, enquanto Governadores são acusados de serem os responsáveis pelo que o Governo Federal está de fato fazendo, ou ainda, é preciso defender a impossibilidade de fraudes em eleições que só poderão ser fraudadas por aqueles que estão denunciando a fraude. Aos poucos, não importa mais de que lado você está. Quem lança primeiro a acusação se torna o proprietário da pauta política. Uma espécie de grilagem ideológica.
A outra é a manutenção do telequete, da emoção, da raiva, da esperança, da alegria pelas pequenas vitórias e o desespero com as pesadas derrotas. A capacidade de manipular esses sentimentos na população permite a manutenção de um circo que chama todas as atenções. As pessoas que sentem a necessidade de uma atuação política vão à luta, conseguem algumas vitórias, quando estas são permitidas, se enchem de brio quando perdem um round, mas seguem na esperança que o Ted Boy vai dar uma voadora sensacional e virar o jogo.
Mas, isso não pode acontecer. Nem Ted, nem Montanha podem vencer definitivamente. O segredo do sucesso é manter o suspense para que todos continuem ligados, hipnotizados pelo show, enquanto são “subtraídos em tenebrosas transações”...
E não me perguntem o que deveríamos fazer para escapar dessa farsa e iniciarmos uma ação política realmente relevante, potente e estrategicamente eficaz para uma mudança. Agora não posso pensar nisso, preciso abrir meu canal de Youtube predileto e ver se a humilhação do capetão vai se completar, ou se ele vai conseguir se reabilitar e vai conseguir desmontar as investigações que ameaçam sua familícia.
Até o próximo capítulo.
ZECA SAMPAIO, dramaturgo e romancista, é associado ao IBAP.
Muito bom Zeca!