-FREDERICO ARZOLLA-
Quando olhamos uma montanha ao longe ela parece intransponível, no entanto, à medida que nos aproximamos, começamos a visualizar caminhos e formas de subir e acessar o seu cume, e mesmo, transpô-la.
A vida tem essas peculiaridades. Aquele que não tenta nem se esforça está fadado a não progredir, mesmo que os obstáculos, tantos naturais quanto artificiais, sejam todos transponíveis.
Há os bloqueios mentais ou emocionais. Situações passadas que deixaram marcas na alma das pessoas ou mesmo medos que temos diante do desconhecido e das ameaças que este pode representar.
O que são ameaças? Podem ser verdadeiras e constituírem perigo real, porém podem ser imaginárias. Podem simplesmente representar uma mudança. A mudança traz o componente do desconhecido e pode haver perdas e ganhos, ou diferenças, simplesmente.
O ser imutável solidifica-se, cristaliza e engessa, e por outro lado, o ser totalmente mutável torna-se líquido, fluido e adaptável, sem forma pré-definida.
Nós somos sólidos e líquidos em nossa composição. Se solidificamos em demasia, esclerosamos, e tudo em nós perde seu movimento e começa a enrijecer.
Se nos tornamos demasiadamente líquidos, cedemos nossa rigidez e passamos a ser preenchidos por matérias menos densas, como as gorduras, e assim as acumulamos em nosso organismo.
Reconhecer esses elementos, e assim por dizer, as fases da matéria, é condição para o equilíbrio do nosso organismo. Aquele que aceita tudo e aquele que não aceita nada são extremos diante de possibilidades.
Dar ao organismo as condições que necessita ao equilíbrio é, antes de tudo, ter o equilíbrio na mente e trazer consciência neste trato. A consciência não permeia só a relação com o mundo externo, ela se dá em nosso ecossistema interno, como nós agimos perante ele, harmonizando ou dificultando seu trabalho.
A consciência deve estar naquilo que nos alimentamos. Não é somente olhar os rótulos dos alimentos, vendo as substâncias que o compõe, mas é um início. Fica a primeira pergunta. Constitui alimento? Se sim, já é um bom começo.
Por que dependemos tanto do álcool, açúcar, café, chocolate, gorduras saborizantes? O que aconteceu com o ser humano que se viciou nestes componentes? Vejo-os como prêmios, como compensações ou mesmo a necessidade de um estímulo para lidar com o dia a dia. São reconfortantes, são compensadores, trazem alívio e bem-estar, mesmo que momentâneos.
Mas o que suprem? Qual elemento natural está em falta? Qual sensação está em falta? Muitas vezes compensam a solidão, a falta de amor, a falta de compreensão, a falta de estímulo e reconhecimento que proporcionariam efeitos semelhantes no corpo. É o auto-afago, que pode ser tanto individual quanto em grupo. São as compensações nem tanto para o corpo, mas para as necessidades da alma. São combustíveis mais para a alma que para o corpo e, por isso, quando em demasia e de forma descontrolada, podem fazer mal ao corpo, e assim o fazem.
Pobre ser humano que, diante de tudo, vê nas válvulas de escape a tentativa de manutenção do seu equilíbrio. Precisamos reconhecer as necessidades da alma e assim tratá-las, não só as do corpo. Uma alma enferma também terá um corpo doente associado. Tratar a alma é condição necessária para o equilíbrio do ser humano. Corpo e alma estão interligados e interdependem. Temos a fome que assola milhões de pessoas. Temos os quadros de depressão que atingem outros tantos milhões.
Sociedades doentes favorecem a doença da população que a compõe. Como lidar com questões coletivas? É desenvolvendo a nucleação, os coletivos, as associações, a organização popular.
São formas saudáveis de se autoidentificar, de se autoreconhecer e tratar dos problemas que afligem não só o indivíduo, mas os agrupamentos sociais, em suas mais diferentes formas de organização, hierarquia e alcance.
Um tecido social doente necrosa se não for curado. Células se perdem, órgãos e até o próprio organismo. O olhar, para o que está dentro e para o que está fora, é necessário.
Como cuidar de indivíduos, se a sociedade está doente? Cuidar do indivíduo é medida necessária, no entanto o esforço que se mostra é uma análise global e abrangente, é o de cuidar da sociedade, dos grupos sociais, das relações de trabalho, atentando a todos, incluindo os mais vulneráveis.
Uma sociedade sadia é necessária inclusive na relação com o planeta. Nossa visão deve ser ecossistêmica, considerando os não humanos e hoje dependentes de nós. Dependem de nossa capacidade de não destruí-los; e de rever nossos modos de vida e de produção, compatibilizando com a sua existência.
Estamos muito longe disso. Nossas relações são de destruição e de impacto na vida dessas outras espécies. Estamos muito longe de considerá-los com o status necessário. Se entre os próprios humanos há grupos marginalizados, excluídos, o que dirá a relação com outras espécies?
Temos processos produtivos ainda pouco saudáveis e uma resistência muito grande em mudá-los. Há os interesses econômicos dos grandes grupos empresariais. Mas, por outro lado, há o desconhecimento da sociedade sobre isso.
Há uma desvinculação dos processos produtivos da sociedade. A vinculação ocorre somente quando os produtos estão prontos. Esta é a alienação do capitalismo. Se tivéssemos acesso às informações, será que os consumiríamos? Se víssemos os impactos ambientais, a exploração do trabalho humano, a crueldade com os animais, será que mesmo assim, consumiríamos determinados produtos? Certamente não. Haveria forte pressão para se corrigir valores ou procedimentos inadequados. Muito é escondido da opinião pública, no entanto deveriam ser revelados como direito do consumidor.
Há também a desvinculação da empresa com o produto após a produção e a venda. Cria-se um vazio de responsabilidades. Produtor/ comercializador/ consumidor: em princípio, todos teriam responsabilidade com os resíduos dos produtos. Essa conta, no entanto, fica com o consumidor, que se vê com as embalagens e seu descarte, que muitas vezes, a quase totalidade de vezes, é inadequada, e acaba causando mais problemas ambientais. Essa responsabilidade deveria ser conjunta entre as partes envolvidas.
A consciência do ser humano ainda é muito rasa pois preponderam os interesses econômicos sobre direitos e sobre as formas de vida. Ainda estamos muito longe de uma consciência planetária saudável.
Este é o grande esforço, do desenvolvimento da consciência planetária, em que os seres vivos e seus modos de vida sejam considerados e que sejam respeitados. Estamos nesta fase da evolução. Haverá um longo caminho pela frente. No entanto, fixemos no presente em como podemos agir, cada célula em seu contexto, cada grupo, cada órgão, cada coletivo, cada associação, num processo de articulação e compartilhamento. Há muito a ser feito e não será de imediato. Que cada um tenha dentro de si o planeta, e assim participemos desse processo, semeando hoje, o amanhã que desejamos.
Frederico Arzolla é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Biologia Vegetal, Pesquisador em Conservação da Natureza e Florística e Fitossociologia de Árvores da Mata Atlântica.
Maravilhosa análise que indica a responsabilidade e a interação de cada um consigo mesmo, com seu entorno, com as pessoas próximas, com a sociedade, com a natureza, com os seres vivos e com o planeta.