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O resgate

Atualizado: 14 de jan. de 2019

- Fernanda Menna Pinto Peres -


Fernanda Menna Pinto Peres

Trouxeram-na para a casa da vovó numa caixa de sapatos.

Estava caída no chão de terra do parquinho da escola onde estudavam as netas. Vovó Morava defronte à escola, do outro lado da rua.

Tombara do ninho, por certo.

Tão pequenina. Ainda não sabia voar.

Foi um entusiasmo só a chegada da nova hóspede. As netas logo resolveram: era uma passarinha menina! E ela se chamaria Violeta.

Papinha de fubá, vovó lhe preparava. Precisaria se alimentar, a pobre. Paciência, fubá e um grampo de cabelos a guisa de colher era o que bastava.

Mas, nem precisou muita paciência…

Vovó morava num apartamento de fundo, no primeiro andar de um edifício de três. Como não havia fachada para todas as janelas, no centro do edifício havia um fosso, três por três metros, para onde davam as janelas das cozinhas e áreas de serviços das unidades de sua prumada. O tal buraco tinha fundo justo na laje do primeiro andar e fazia, pois, as vezes de quintal da vovó. Violeta ficou lá no quintal, junto com as plantinhas. Acima dela, depois do terceiro andar, o céu lhe desafiava. Não conseguiria voar tão alto. Quem sabe até a muretinha da área de serviço que dava para o quintal onde vovó a alimentava na boca com o fubá no grampo.

Ela, Violeta, de fato, não voava. Mas sua mãe, sim. Não a abandonou. Sobrevoou o bairro até que a encontrou no quintal-buraco da vovó. E vinha, desde então, alimentá-la, desonerando vovó deste mister. Mergulhava no buraco, dava-lhe comida na boca com seu bico, e depois voava de volta para o céu.

Tudo muito cansativo.

Não é fácil para uma mãe passarinha voar três andares de parede abaixo e acima, num vão estreito, e tantas vezes ao dia. Penso que seria mais fácil a uma mãe beija-flor. Pardais, contudo, não voam na vertical como helicópteros. Não tão alto!!!

A paciência de vovó sobrou. O fubá também.

Agora, apenas assistia.

Vovó cozinhava espiando pelo basculante da janela as peripécias da filhote e já havia se acostumado com as visitas de sua mãe.

Violeta já era da família.

Naquela manhã, vovó estranhou. Teria acontecido algo com a mamãe passarinha que não veio alimentar sua filhote?

Violeta parecia agitada e vovó bisbilhotava pela janela.

De repente, ela arriscou um voo e empoleirou-se no beiral da mureta que dava para a área de serviço. Vovó ficou estarrecida e receosa. Mal sabia voar, Violeta.

Mal vovó deu-se conta, ela já estava no chão da área de serviço, do lado de cá da mureta, e adentrou saltitando a cozinha.

Não havia como pegá-la.

Como crescera Violeta, pensou vovó, com seu olhar de vó mesmo, toda boba. Estava tão ágil e encorpada!

Num piscar de olhos Violeta estava na sala. E mirou a janela, que estava aberta.

O coração da vovó disparou.

Num voo só, alcançou o beiral da janela da sala e ficou ali piando para a liberdade.

Mal sabe voar! Para onde vai sozinha? – pensou vovó.

Não tinha com o que se preocupar.

Violeta nunca esteve sozinha.

Enquanto piava no beiral da janela, mamãe passarinha apareceu como um raio, rasgando o ar e cruzando a frente da janela acompanhada do seu irmão.

Violeta titubeou. No terceiro rasante, ela a acompanhou e a casa silenciou.

O coração da vovó se acalmou.

 

Fernanda Menna Pinto Peres é escritora e Juíza de Direito.


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