- Maurício Moromizato -
O rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, para além do sofrimento e das ações de emergência e urgência, nos traz uma necessidade de expor, analisar e discutir os fatos, tanto para reparar o irreparável dano social, punir os responsáveis por esses crimes, efetivar as ações de recuperação e ressarcimento, quanto para tomar medidas que previnam que outros crimes ocorram (fiscalização, multas, prisões, etc..).
Uma questão que salta aos olhos no caso das barragens é a extensão geográfica, a amplitude da população afetada, o tamanho da destruição ambiental e os impactos nas atividades econômicas dos municípios tragados pelos crimes ocorridos.
Os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho nos colocam a obrigação de ir além das punições, indenizações e prisões de responsáveis, que devem ocorrer. Devemos (re)discutir o modelo de desenvolvimento que o mundo globalizado e o capitalismo selvagem está nos impondo.
Pensemos: para quê precisamos de tanto minério? onde são utilizados? quem sãos os grandes compradores de minério? A mim e a muitos, está claro que o modelo atual imposto ao Brasil é colonialista com nossas riquezas minerais extraídas por multinacionais, exportadas a preços baratos e voltando a “preço de ouro”, depois de industrializadas por quem nos explora. Todo lucro é embolsado por acionistas - em sua maioria estrangeiros - e só nos sobram rejeitos e a destruição provocada.
Hoje o mundo todo discute uma outra mentalidade de vida. Aqui no Brasil temos várias culturas - como a caiçara, indígena, quilombola e a de tantos outros povos tradicionais que mostram que é possível uma vida centrada no bem-viver e não no ter ou na acumulação infinita e desigual de capital financeiro. O sistema hegemônico trata de perseguir e eliminar essas culturas, que hoje estão ameaçadas até pelo atual presidente.
Assim como Mariana e Brumadinho, muitos municípios brasileiros se encontram à mercê de crimes ambientais. Ao mesmo tempo em que refletimos e debatemos questões essenciais para o futuro do planeta e do Brasil, há uma questão presente que necessita ação urgente por parte do Estado brasileiro e do governo.
As indenizações pelos crimes devem ser pagas aos cidadãos atingidos, e aos municípios atingidos, distintamente.
Fui Prefeito de Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Por conta de “desvios” na lei, nossa cidade ficou alijada da distribuição dos royalties oriundos da exploração do petróleo: recebemos menos de 4 milhões/ano enquanto os municípios litorâneos vizinhos recebem quantias escandalosamente superiores. Vivemos do turismo e do comércio, que se beneficia de nossos 102 km de praias e meio ambiente preservado.
Também estamos a 150 quilômetros da Usina Nuclear de Angra dos Reis, na rota de fuga de um indesejado acidente na Usina, e não recebemos nenhum tipo de compensação pelo risco de contaminação em caso de vazamento e por uma destruição da economia do turismo se um acidente acontecer. Ou seja, tal qual os municípios ao longo do Rio Doce (Mariana-MG) e do córrego do Feijão/Rio Paraobebas (Brumadinho-MG), estamos sujeitos a riscos enormes, de difícil reparação (vazamento de petróleo ou radiação), e que podem arruinar a economia, o meio ambiente e nossa população.
Assim como Ubatuba, centenas de municípios brasileiros se encontram muito próximos ao que estão vivendo as populações de Brumadinho ou Mariana e das dezenas de municípios que se encontram ao longo dos rios e do oceano afetados pelo escoamento dos resíduos tóxicos liberados pelo rompimento dessas barragens.
Uma questão que se coloca é: como proporcionar melhores condições para municípios que estão situados ao longo da cadeia de destruição que os crimes em Mariana e Brumadinho provocaram ou que podem provocar em municípios ao longo das bacias hidrográficas das centenas de barragens no Brasil, sejam de resíduos de mineração, de usinas hidrelétricas, de reservatórios de água ou diretamente ligados a possíveis vazamentos radioativos da usina nuclear de Angra dos Reis?
Hoje já há pagamento de royalties pela atividade de mineração através da CFEM (Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), que assim como no caso de usinas hidrelétricas, nucleares e do petróleo, contemplam municípios e Estados produtores, além da União. É uma arrecadação substancial, que se torna essencial às prefeituras desses municípios, mas que, como bem mostram os casos recentes de Mariana e Brumadinho, são insuficientes para recuperar os estragos causados e deixam de fora municípios que são direta ou indiretamente afetados, agora e/ou no futuro, por esses empreendimentos.
No caso atual, as mineradoras devem pagar pelos danos causados por essas barragens rompidas e passarem a pagar também onde estão todas as outras barragens, pelos riscos aos quais essas populações se submetem. As indenizações pelos crimes devem ser pagas aos cidadãos atingidos, e aos municípios atingidos, distintamente.
Na linha de raciocínio de que parte dos recursos oriundos dessas atividades deve ser devolvido aos legítimos donos, a população, temos que estudar e concretizar uma nova forma para agregar municípios como Ubatuba e muitos outros como beneficiários dessas riquezas.
Levando-se em conta que apenas a Vale do Rio Doce registrou lucro líquido de R$ 17,6 bilhões em 2017 e que a mesma Vale do Rio Doce encerrou o terceiro trimestre de 2018 com lucro líquido atribuído aos acionistas de R$ 5,753 bilhões, podemos ver o quanto é irrisório o pagamento dos royalties para o povo brasileiro que, em seu “melhor ano”, tem previsão de arrecadar R$ 3 bilhões em 2018 de toda a atividade de mineração exercida no país, aí incluindo outras mineradoras e outros minérios como ouro, manganês, bauxita, entre outros.
Sendo assim, há certeza de que é possível criar uma alíquota adicional, um royalty social, ambiental e econômico, seja sobre os lucros líquidos, seja sobre o faturamento bruto, para remunerar minimamente e exclusivamente os municípios que estão na cadeia de abrangência de desastres, crimes ou acidentes desses empreendimentos, atualmente excluídos dessa distribuição de riquezas e relegados ao temor de novas ocorrências e à gerência dos resultados desses crimes. Esses royalties seriam calculados levando em conta a extensão do território municipal (dano ambiental) e a população (dano social per capita). Não entrariam na conta dos atuais royalties para não prejudicar os municípios produtores e incluiriam outras atividades além da mineração, como usinas hidrelétricas e nucleares, e até uma rediscussão da distribuição dos royalties do petróleo.
O próprio Governo Federal admite que os recursos advindos dos royalties da mineração deveriam ser distribuídos também entre municípios não produtores, mas não tem definida a forma e os municípios contemplados, inclusive afirmando que há R$ 300 milhões retidos no Tesouro para esse fim. De acordo com o diretor de procedimentos arrecadatórios da Agência Nacional de Mineração (ANM), Ricardo Eudes, uma das prioridades da nova agência, que ainda está se estruturando, é levantar a lista de municípios afetados pela atividade de mineração e que, pelas nova regra, passarão a receber uma fatia dessa arrecadação. Sem essa lista, quase R$ 300 milhões estão retidos no Tesouro.
Toda população brasileira é detentora dos recursos minerais do nosso subsolo.
Toda população ao longo de áreas afetadas ambiental, social e economicamente é detentora de um direito adicional pelo risco proporcionado por essas atividades, como por exemplo: os municípios atingidos ao longo dos rios Doce e do córrego do Feijão/rio Paraopebas, que não recebem os royalties da mineração; os municípios sujeitos a cheias e inundações situados às margens de rios com usinas hidrelétricas e que não recebem royalties sobre produção energética; os municípios que podem ser atingidos por vazamentos radioativos de Angra dos Reis e os que estão em rotas de fuga de um vazamento e não recebem royalties da produção energética da Usina.
O risco é permanente.
Quem se beneficiaria?
- Municípios ao longo de rios que podem receber impactos sociais, econômicos e ambientais negativos por rompimento de barragens, por contaminações, etc.
- Municípios vizinhos que podem sofrer impactos negativos em casos de acidentes como radiação (Angra dos Reis), e rompimentos ou abertura de comportas de barragens de usinas hidrelétricas.
As tragédias criminosas de Mariana e Brumadinho, o posicionamento insensível das empresas envolvidas, a lentidão da justiça e o sofrimento da população atingida mostram a necessidade de legislação que proteja essas populações, tanto no ressarcimento financeiro ao qual têm direito, como também na extensão dos municípios e populações afetados, pois esses casos mostraram que o dano vai muito além do município produtor, muito além das perdas materiais e que a reparação é sempre aquém do justo e necessário.
A crise fiscal dos municípios brasileiros e os crimes ambientais cometidos proporcionam uma oportunidade para cobrar ações sobre os efeitos deletérios da exploração de nossas riquezas, feita sem que haja um aumento da carga tributária aos cidadãos e sim um retorno de recursos pago pelas empresas exploradoras, em geral, multinacionais cujos acionistas não são brasileiros e que embolsam lucros exorbitantes de um patrimônio que é de todos nós.
Incluir uma alíquota de royalties para os municípios afetados ou potencialmente afetados (e não dividir os royalties recebidos atualmente), é uma necessidade, um direito e ajudaria as finanças de um conjunto enorme de municípios brasileiros, com recursos que lhes pertencem de direito, sem onerar o cidadão e as atividade econômica e tão somente parte muito pequena do lucro de quem explora um recurso finito e que é do Estado e da população.
Maurício Moromizato - Cirurgião-dentista, presidente do PT de Ubatuba, ex-prefeito de Ubatuba (2013/2016), ex-vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos para municípios entre 50.000 e 100.000 (2013/2014), ex-vice-presidente da Frente Nacional de Municípios para Economia Solidária (2015/2016)
Referências
Muito boa a análise. A gestão de verbas públicas que poderia ajudar municípios localizados nas áreas de risco é um sério problema; pensar na prevenção de acidentes e sua efetiva realização também não faz parte das políticas públicas dos governos. Some-se a isso a lógica do atual governo em defender mais ainda os interesses das grandes indústrias e multinacionais em detrimentos do bem estar da população; dessa forma teremos um panorama muito sombrio para o país nos próximos anos ou décadas.