- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima
Berlim, agosto de 2015. Eu havia reservado cinco dias da viagem para conhecer a capital da Alemanha. Fiquei admirada com o tamanho e a quantidade de parques e árvores existentes. Era um verão muito quente, mas o equilíbrio oferecido pelo verde ao clima da cidade tornava o calor suportável. [1]
Existe forte preocupação na Alemanha com as mudanças climáticas e a forma de enfrentá-las.
Desde 2007 a capital alemã tem gradualmente desenvolvido estudos sobre como sua paisagem urbana será afetada pela mudança climática, [2] reconhecida como fato. Atualmente, a municipalidade pressiona por mudanças tangíveis de adaptação de longo prazo. A proposta é evitar a impermeabilização demasiada da superfície do solo com concreto ou asfalto. Sempre que possível, preferir superfícies permeáveis à água, em áreas de estacionamento e faixas no meio das ruas, que podem receber coberturas que possibilitam a absorção de água pelo solo.
A ideia é criar uma arquitetura urbana como "esponja", incluindo áreas permeáveis, como parques, jardins internos e externos de prédios; dar grande atenção para a existência de lagos e rios; formar parques lineares ao longo das estradas capazes de absorver grandes quantidades de água durante as tempestades; fazer reter a águas das chuvas nessas áreas permeáveis e deixar que a evaporação natural devolva essas águas para a atmosfera. O importante é evitar o escoamento rápido da água, que poderia avançar para o subsolo e para os esgotos e carregar sujeira para os lagos e os rios.
A Alemanha [3], que já passou por várias guerras, inclusive duas mundiais, e sofreu grandes devastações de pessoas e de recursos naturais, reconhece, atualmente, o valor de manter o equilíbrio ecológico. Isto se reflete nos amplos espaços de área verde, que, em algumas cidades, constituem até 70% do espaço total da urbe.
São Paulo, Brasil, 2019. Estava no meu carro e aguardava abrir o sinal de trânsito. Era um dia muito quente neste verão causticante. Nem o ar condicionado dava conta de refrescar o carro, que antes ficara estacionado sob o sol, com temperatura aproximada de 36 graus. Por sorte, antes da esquina havia uma árvore alta e frondosa, cujos galhos esparramados ofereciam uma bela sombra. Permaneci lá, confortável, aguardando o sinal verde... Assim que saí da sombra, senti a grande diferença...
Infelizmente, as árvores vão se tornando escassas em muitas cidades no Brasil, sejam elas mais, ou menos, populosas. Por motivos diversos, entre outros: abertura de entrada de garagens; falta de cuidados com cupins e doenças; passagem de ventos fortes e, principalmente, ações de incorporadoras e construtoras... Falta uma consciência geral sobre a importância das árvores e sua sombra para amenizar a temperatura.
Junto com o calor acima do normal, no sul e no sudeste do Brasil, as cidades vêm sendo castigadas por fortes chuvas, algumas vezes acompanhadas de rajadas de ventos. Acontecem alagamentos em pontos diversos da cidade de São Paulo. Também a cidade do Rio foi castigada recentemente por chuvas violentas com forte ventania.
As condições do clima estão mudando. Em geral, a população dá relativa importância ao fato, se assusta com as suas consequências, mas depois esquece. Falta uma postura consciente e crítica.
As cidades não estão preparadas para enfrentar estas alterações: os governos municipais omitem sua necessidade em seus planos e nem buscam entender os efeitos das mudanças climáticas que vêm ocorrendo. Menos ainda se preocupam com a questão de reduzir a emissão de gases poluentes na atmosfera, que contribui para o aquecimento global e para a ocorrência dessas mudanças climáticas.
No caso do município de São Paulo, há vários parques importantes. [4] Em 2010, havia 50 parques municipais. [5] O total de áreas verdes corresponde apenas a 1,5 % da área total da cidade [6] e representa insuficiência de solo permeável e de fator de equilíbrio do calor.
Percebe-se que a cidade de São Paulo, uma metrópole com mais de doze milhões de habitantes, conta com espaço de áreas verdes muito aquém daquela da capital e de outras cidades da Alemanha, algumas registrando até 70 % de seu espaço total.
A gestão nova do município de São Paulo lançou edital de licitação visando privatizar o Parque do Ibirapuera, entre outros, e dar a concessão do uso de seu estacionamento e de restaurantes, além de alguns espaços para exposições, com possibilidade de cobrança dos usuários.
No âmbito de uma visão imediatista e estreita focada na economia de gastos, o objetivo apresentado é reduzir os gastos da Prefeitura na manutenção do parque.
Não considera a necessidade de ampliar as áreas verdes na cidade para a melhoria das condições de vida de sua população e de integrar mais áreas verdes com outras formas de deixar o solo mais permeável e facilitar a absorção das águas das chuvas.
No entanto, seria esta uma forma eficiente de reduzir os riscos de calamidades públicas, atribuídas indevidamente a “fatos da natureza”, com forte prejuízo para a população, conceito esse utilizado para tentar esquivar o governo de qualquer responsabilidade por indenização, quando, na verdade, se trata de omissão grave que não redime o governo.
Esse trabalho envolveria também o levantamento e o registro de mananciais existentes na cidade, como córregos que se encontram espremidos no meio de construções e que, por falta de cuidados necessários, contribuem para alagamentos na ocorrência de chuvas mais fortes.
A descoberta desses mananciais levantaria a premência de proteger suas margens com o plantio de árvores e de manter sua mata ciliar e área legalmente prevista sem pavimentação ou construção para permitir a absorção das águas dos alagamentos episódicos.
Esta política deveria ser adotada como critério para autorizar empreendimentos imobiliários.
O conteúdo das diretrizes que estão sendo adotadas, com a omissão de providências necessárias, revela o distanciamento das políticas públicas no Brasil daquelas, como exemplo, que vêm sendo executadas localmente nas cidades da Alemanha, visando atenuar os efeitos das mudanças climáticas sobre a sua população.
Felizmente, o Brasil não passou por grandes guerras. No entanto, por vários motivos, infelizmente, devastou grande parte de seus recursos naturais, em especial, sua flora.
Pensar no futuro das cidades é pensar na qualidade do ar, nas condições climáticas e, para isto, utilizar técnicas mais sustentáveis para a geração de energia.
É sob este enfoque que se propõe a pergunta: “qual o valor da sombra de uma árvore?”.
A sombra de uma única árvore possibilita reduzir a incidência de luz solar sobre um determinado espaço, causando conforto térmico sem necessidade de gerar energia.
Várias propostas poderiam ser apresentadas. Entre estas, estímulo para a formação de praças arborizadas em todos os bairros, priorizando a periferia, onde os espaços públicos são mais reduzidos. Também, conceder incentivos de redução de IPTU para os prédios em frente dos quais forem plantadas árvores ou mantidas aquelas já existentes, ou mesmo no terreno dessas propriedades.
Além do fator bem-estar da maioria da população, nem sempre levado em conta, o efeito da sombra das árvores tem reflexos até econômicos, considerando a produção no campo.
Em trabalho publicado pela Embrapa, em 2004 [7], são relatadas as vantagens de introdução de árvores visando melhoras da produção da pecuária no Centro-Oeste brasileiro. Constata esse estudo que a sombra é essencial em regiões de clima quente para o bem-estar animal, contrariando a tendência de derrubada maciça de árvores.
Concluindo, é necessário integrar a questão ambiental com as necessidades das cidades visando o bem-estar de seus habitantes.
A simples ideia da valorização das árvores e de sua sombra também nas cidades pode ser um ponto de partida para o aprofundamento da questão...
[1] De olho no desenvolvimento sustentável, a capital alemã lança mão de planejamento para manter e expandir seus 530 km² de áreas arborizadas. Com uma população de 3,4 milhões de pessoas, a metrópole incentiva a jardinagem em áreas públicas e a educação ambiental como formas de melhorar a qualidade de vida.
[2] Berlim: "cidade-esponja" na luta contra o aquecimento global,
[3]As dez cidades mais verdes da Alemanha: Hamburgo, Borussia Dortmund, Stuttgart, Dresden, Bremen, Essen, Hannover, Berlim, Colônia e Frankfurt. Um jornal alemão calculou a relação entre área verde e superfície de 79 municípios do país. E criou o ranking das 10 cidades com mais de 500 mil habitantes que têm ao menos 50% do território coberto por vegetação.
[4] O Parque do Ibirapuera, com área de 1,58 km²; o Parque do Carmo, com 1,5 km² ; o Parque Villa-Lobos, com 0,73 km² ; o Parque Ecológico do Tietê, com 14 km². Isto resulta num total aproximado de 17,81 km² de área verde e corresponde apenas a 1,5 % (um e meio por cento) da área total do município de 1.521 km².
[5] O Parque Estadual da Cantareira, com 79 km², ultrapassa o espaço do município, mas fica na parte norte da cidade de São Paulo.
[7] Documentos 146, Embrapa, Sistemas Silvipastoris – Introdução de Árvores na Pecuária do Centro-Oeste Brasileiro, Campo Grande, MS; 2004. Autoria: NICODEMO, M. L. F.; SILVA, V. P. da; THIAGO, L. R. L. de S.; GONTIJO NETO, M. M.; LAURA, V. A.
Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima - Membro do IBAP – Advogada; Mestre em Direito do Estado, Direito Constitucional (PUC); Mestre em Ciências (Patologia Social) FESPSP